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Além do Gameplay: Braid


Level Design contando uma história: A Genialidade do jogo "Braid"
Por Ivan Paz

Em 2009 o mundo dos jogos indies teve um marco. Após três longos anos de desenvolvimento, o jogo "Braid" finalmente foi lançado e, em pouco tempo, se tornaria um título extremamente premiado e elogiado. Podemos relacionar seu sucesso a vários elementos diferentes que o compõe. A arte por trás de "Braid" é espetacular. Parece que estamos dentro de uma aquarela saída dos sonhos de um pintor impressionista do século XIX. A trilha por trás dessa obra nos faz mergulhar nesse mundo fantástico. Uma melodia que mistura beleza e melancolia, que nos embarca em uma aventura quase ambígua. Além da construção de cenário, onde o level design é constituído por puzzles diversos, com sua curva de aprendizado e dificuldade muito equilibrada.

Apesar disso, se fizermos uma análise fria, "Braid" não é perfeito. Os desafios passam a ficar levemente repetitivos. Como na mecânica temos poucos comandos (inicialmente apenas andar, pular e voltar no tempo), o acréscimo na dificuldade está na precisão dos movimentos e nem tanto na engenhosidade desses puzzles. Mesmo quando surge uma mecânica nova, a de jogar a aliança no chão ou criar um clone, logo a sensação de repetição volta. A história, que é um elemento muito importante do jogo, é contada de uma forma pouco interessante. Existem sim momentos em que pequenas falas ou elementos de cenário nos ajudam a entender o que ocorre dentro do jogo, porém boa parte é exposta através de textos longos e cheios de enigmas.


Porém, apesar das minhas críticas, é no roteiro que vejo o jogo brilhar. Vamos falar um pouco do jogo em si, com spoilers, é claro. O jogador controla Tim, um homem normal, vestido com um terno e um aspecto quase melancólico. Às vezes o encontramos sorrindo, às vezes pensativo, mas nunca parece, de fato, feliz. Nos é apresentado um personagem desinteressante, apático e, reflexo de uma vida trivial. Sabemos logo de começo que Tim está atrás de sua princesa. Sabemos que ela foi levada por um terrível monstro devido a um erro que Tim cometeu no passado. E esse erro o atormenta. O jogo deixa a entender que Tim quer reparar esse erro, o que se comunica muito com seu poder de voltar no tempo. Graças a essa habilidade, o jogador consegue reparar qualquer falha imediata para conseguir avançar. E, aos poucos, percebemos que nem tudo volta no tempo, apesar do seu poder.

Sendo bem sincero, o jogo não me engajou muito na primeira vez que joguei. Apesar de ser fã de jogos de puzzle, algo em "Braid" não me fez desejar superar todos os desafios que apareceram. Tentar entender a história foi o elemento que me prendeu no jogo, por mais que a forma de ser contada não fosse exatamente empolgante. O que faz um personagem de terno e gravata ir atrás de uma princesa, num mundo fantástico cheio de monstros e canhões? Por que ele tem o poder de voltar o tempo? Por que o tempo em volta da aliança dele é mais lento do que o de fora dela? Qual foi o erro que ele cometeu? Esses questionamentos que me moviam dentro do jogo.

Eis que de repente eu chego na fase final. Encontro minha princesa perto do monstro. Ela consegue escapar, porém estamos separados. Temos que nos ajudar para tirar os obstáculos do caminho um do outro e ficarmos juntos. Essa premissa por si só é interessante, por mais que não seja pioneira. E quando Tim fica frente a frente com a sua querida princesa, o jogo brilha. O jogo se transforma. "Braid" finalmente se mostrou a que veio e justifica porque é um clássico moderno, um dos indies mais marcantes que todos deveriam jogar.


À partir daqui eu entrarei em detalhes delicados do enredo, contendo spoilers importantíssimos. Leia por sua conta em risco.

O cenário trava e a única coisa que podemos fazer é usar o poder de voltar no tempo. Percebemos que a princesa não estava liberando nosso caminho dos obstáculos, e sim tentando nos impedir de chegar nela. E, ao voltarmos tudo, ela espontaneamente é levada pelo "monstro". Ela estava fugindo de nós! Tim cometeu um erro e está perseguindo a princesa contra a sua vontade. O monstro é agora aquilo que a protege de seu perseguidor.

Esse final pode ter muitas interpretações, principalmente aquela que diz que Tim é um cientista e a princesa é a bomba nuclear. Jonathan Blow, o criador do jogo, disse em uma entrevista que na verdade existem diversos finais possíveis e a graça é cada um interpretar da sua própria maneira. Para mim, sinceramente, pouco importa. Como desenvolvedor e como jogador, a fase final foi brilhante. Ver o roteiro sendo invertido na última cena e encarar Tim como um stalker foi espantoso. Ver como o level design foi capaz de nos contar duas histórias, uma quando andamos para frente e outra quando voltamos no tempo, foi um sentimento inédito. Se repararmos bem, até a música parece menos estranha quando estamos voltando no tempo, como se esse fosse o percurso correto.


Enfim, os jogos são um tipo de obra diferente. Neles conseguimos estar completamente imersos quando os autores nos surpreendem com essas pitadas de genialidade. E, por sermos o protagonista, acabamos por nos relacionar com os personagens de uma forma bastante intensa. "Braid" é muito mais do que um jogo de plataforma com a temática de voltar no tempo, é uma história sobre como ser um herói é questão de ponto de vista.