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Resenha: Coringa, por Paulo Costa (Sem Spoilers)


Uma obra que ultrapassa os limites do mero entretenimento ao explorar a psique humana em uma sociedade corrompida

Por Paulo Costa 


É incontestável que em toda obra sempre surja um interesse exacerbado em querer conhecer mais a historia de um vilão, seja em um filme de super-heróis, em um conto de fadas ou até mesmo as motivações que levam um serial-killer a cometer tais crimes em um filme de terror. É algo tão intrigante, que já levou diversos estúdios a produzirem filmes e até mesmo séries que contam exatamente a origem destes personagens. Walt Disney com "Malévola" e o inédito "Cruela". A franquia que narrou as motivações que levaram Hannibal Lecter a cometer tantas atrocidades em "O Silencio dos Inocentes", "Hannibal" e "Dragão Vermelho". Até mesmo á série "Bates Motel", que durante cinco temporadas nos apresentou todas as razões que foram moldando Norman Bates até se tornar o assassino que conhecemos em "Psicose", obra-prima de Alfred Hitchcock

Agora, chegou a vez de um icônico personagem das HQs ganhar o seu filme de origem. Em "Coringa" (Joker), com estreia programada para 3 de outubro, acompanhamos a história de Arthur Fleck, que trabalha como palhaço e, toda semana precisa se consultar com uma agente social, devido aos seus problemas mentais. Uma noite, após ser demitido deste ingrato, porém satisfatório emprego, Fleck reage ao ataque físico e verbal vindo de três jovens e, acaba por assassina-los a sangue frio. Estes assassinatos dão inicio a um movimento popular dos mais pobres contra a elite. Este é apenas o estopim que Todd Phillips utiliza para narrar o nascimento de um dos maiores e mais perturbadores vilões do universo das histórias em quadrinhos. 

A partir de um roteiro extremamente bem construído, que leva a assinatura de Phillips em parceria com Scott Silver ("8 Mile" e "O Vencedor"), o longa explora através de suas múltiplas camadas, se utilizando de um impressionante jogo de metalinguagem, não apenas as questões que levariam Arthur Fleck a se tornar o temível Coringa, mas também questões sociais e políticas. Mesmo sendo uma trama ambientada nos anos 1980, está mais próxima a nossa realidade que poderíamos imaginar.

Assim como a Marvel Studios elevou o nível de seus filmes a outro patamar com "Guerra Infinita" e "Ultimato", a Warner Bros. conseguiu seguir os passos de uma de suas produções, a excelente trilogia "O Cavaleiro das Trevas", onde Christopher Nolan se utilizou de personagens marcantes da cultura pop e os inseriu em um contexto real abordando problemas do cotidiano. O mesmo acontece em "Coringa", temos a história de um homem que vive a beira da sociedade, com seus problemas mentais é totalmente negligenciado por um sistema de saúde precário e falido. Um dos muitos problemas enfrentados pelos cidadãos da fictícia Gothan City que poderia ser muito bem qualquer cidade do mundo, pois, por conta de uma política suja e corrupta, totalmente separatória, onde os ricos são os maiores privilegiados enquanto os mais pobres vivem a beira da miséria e da criminalização, foi capaz de instalar o caos. E claro, um homem com todos esses problemas e que não tem mais nada a perder entraria no mundo do crime, enxergando em seus violentos atos algo que vai além da loucura, algo que podemos definir como "a justiça com as próprias mãos". 

Através de uma absurda e deslumbrante direção de arte, temos em tela uma cidade soterrada pelo lixo, outro dos grandes problemas que o filme critica e satiriza: "ratos gigantes estão atacando a cidade". Essa parte artística também ultrapassa tudo o que já vimos ou que foi utilizada em filmes mais comerciais. A equipe por trás deste primoroso trabalho nos entrega uma verdadeira obra de arte que se pode constatar em cada segundo de sua projeção. 

Tal trabalho quando fundido com uma trilha sonora regida com eximia maestria, temos projetada na tela grande algo imersivo e muito profundo. O trabalho de som ajuda a criar ainda mais essa imersão, que mescla clássicos do jazz com ruídos sonoros, muito som de "metal e concreto" de uma megalópole barulhenta, é quase que uma poluição sonora prazerosa de se ouvir. Esteticamente falando, cria-se cenas ao mesmo tempo violentas e impactantes, mas belas. Pode até soar de maneira errada e estranha, mas temos ali uma violência gráfica bonita, mas ao mesmo tempo repulsiva e assustadora. 

Outro ponto que temos que exaltar é o assombroso trabalho de um ator que mais uma vez se joga de cabeça pare entregar um personagem completamente arrasador. Joaquin Phoenix é um monstro em todos os sentidos. Através de um exímio trabalho de atuação é capaz de transportar o espectador para dentro de uma mente doentia que vai gradativamente sendo acobertada por uma densa névoa até termos um personagem afundado em trevas. Phoenix entrega um Arthur Fleck/Coringa que ultrapassa qualquer trabalho já realizado por outros atores, seja pela sua expressão fácil, trabalho corporal, atuação complexa ou, até mesmo a macabra gargalha criada pelo próprio ator para nos apresentar a transformação de um ser humano em um vilão doentio e sádico. 



Outros nomes do elenco também não deixam a desejar e entregam personagens tão bem construídos quanto Phoenix. Frances Conroy interpreta Penny Fleck, a mãe de Arthur. Sohpie Dummond, com quem Arthur tem um relacionamento é interpretada por Zazie Beetz, que já apareceu em outro filme de super-heróis, “Deadpool 2”. Fechando o time de protagonistas, ninguém menos que Robert De Niro encarna Murray Franklin, comediante e apresentador de um talk show, personagem ao qual Arthur também possui uma forte e obsessiva conexão. 

E o que dizer de Todd Phillips? Conhecido por dirigir comédias como a trilogia "Se Beber, Não Case", "Escola de Idiotas" e "Um Parto de Viagem", se arriscou em algo que foge completamente de toda a sua filmografia, de tudo aquilo que estava habituado a fazer. Tal trabalho é algo surpreendente, muito meticuloso e até mesmo cauteloso, o cineasta sabe exatamente fazer com que o longa cresça gradativamente em suas 2 horas de duração, uma obra que parte de um princípio e que quando chega ao seu ato final é como se ele tivesse nos levado em uma jornada horripilante sobre a degradação de um ser humano, a degradação de uma mente já perturbada e sobre uma sociedade hipócrita. Afinal, "Coringa" é, antes de mais nada, um grito de alerta sobre o mundo contemporâneo que vivemos, sobre como uma sociedade manipuladora é capaz de criar esses vilões apenas para depois puni-los.

Por esses e outros pontos, o longa saiu vencedor do maior prêmio no Festival de Veneza deste ano, o Leão de Ouro. Tal feito mostra que o filme com certeza marcará forte presença nas principais premiações do mundo da arte e do entretenimento. 

Mas a pergunta que não quer calar: será que o mundo está preparado para "Coringa"