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Cinema | "Tempo", resenha + entrevista com Eliza Scanlen, por Paulo Costa




Seria apenas mais um filme de terror se não fosse uma obra assustadoramente realista

Por Paulo Costa


Desde que "O Sexto Sentido", lançado em 1999, se tornou um enorme sucesso de público e crítica, lançando de vez a carreira do, até então iniciante, cineasta M. Night Shyamalan, que o universo da sétima arte ganhou um nome de peso e, na minha humilde opinião, um dos diretores/roteiristas/produtores mais autorais em atividade em Hollywood. Com uma estética inigualável e um exímio dom para contar histórias, em sua maioria repletas de reviravoltas inimagináveis, Shyamalan se consolidou com uma carreira repletas de muitos altos, vide "Corpo Fechado", "Sinais" e "A Visita", e infelizmente alguns baixos como "O Último Mestre do Ar" ou então "Depois da Terra", mas ainda assim, por mais que você não seja um fã, é inegável não concordar que temos em ativa uma das mentes mais engenhosas, para não dizer geniais, principalmente na arte de se reinventar e de nos surpreender.

É com "Tempo", seu mais novo e ousado projeto que Shyamalan volta e nos presentear com aquilo que mais faz de melhor em sua carreira: nos prender em uma grande e reflexiva teia de horror psicológico. Assim como outros de seus trabalhos, o diretor sempre busca inspiração em algum momento de sua vida particular, e aqui ele se vê instigado a criar algo que transmita seus mais profundos sentimentos em relação ao envelhecimento de seus pais. Em recente entrevista ele declarou: 

"Esses meus filmes originais representam onde eu estou em cada momento. 'Corpo Fechado' representa onde eu estava, 'Fragmentado' representa onde eu estava, 'A Visita'. Todos eles. E o meu pai e a minha mãe estão envelhecendo, sabe... E como eu me sinto em relação a isso?"

Shyamalan durante as gravações de "Tempo" | Divulgação


Adaptado a partir da HQ "Castelo de Areia" do francês Pierre-Oscar Levy e do suíço Frederik Peeters, acompanhamos uma família durante uma viagem para uma ilha tropical. Quando chegam em uma praia deserta, algo estranho começa a acontecer: todos passam a envelhecer rapidamente, anos inteiros passam em questão de minutos. Eles, então, precisam descobrir o que está acontecendo antes que suas vidas sejam encurtadas drasticamente.

A partir desta premissa, Shyamalan constrói um roteiro que trabalha com maestria conflitos vividos no cotidiano, como o racismo, a infidelidade, relacionamentos familiares e outras relações interpessoais e, através dos segredos, medos e anseios mais íntimos e sombrio de cada personagem, nos remete a uma jornada onde a tensão é crescente, assim como o sentimento de angustia que a cada novo fato exposto em tela, nos deixa ainda mais aflito. Poderia ser apenas mais um filme de terror para nos entreter, ou apenas causar medo, mas "Tempo" se torna realmente apavorante quando uma trama que, de inicio,  seria apenas mais uma historia de ficção e horror se torna assustadoramente real e absurdamente reflexivo, deixando o expectador mais perto de uma verdade totalmente inconveniente do que se gostaria, a partir deste ponto a violência gráfica, que já era apavorante, se torna ainda mais psicológico, e uma vez preso neste contexto, o medo é ainda mais real. Tentar compreender a obra logo de imediato é tolice, por isso o mais importante é se deixar levar. Garanto que a experiência será ainda mais imersiva, mesmo não sendo tão agradável como uma mera viagem de férias.

A maquiagem é algo meticuloso e se faz tão importante como o seu roteiro, atuações, e todos os elementos mais para transpor a plateia o que realmente a obra se propõe, ela sutil e ao mesmo tempo delicada, mas a cada minuto que a película transcorre em tela, temos o envelhecimento gradual de seus personagens, e somente uma trabalho tão extraordinário seria capaz de realizar algo tão singular ao longo de quase 1 hora e 50 minutos de duração, contudo, cabe ao olhos mais atenciosos enxergar esta admirável façanha.

A maquiagem é um importante elemento para a narrativa de "Tempo" | Divulgação


Outra parte do êxito de "Tempo" esta nas mãos de um elenco determinado e competente, que assim como o seu condutor por trás das câmeras, também mergulha de cabeça na loucura e nos entrega atuações viscerais. Este elenco é formado por por astros já consagrados do grande publico como o mexicano Gael Garcia Bernal ou os jovens Alex Wolff e Thomasin Mckenzie, que se complementa com nomes vindos de um cinema mais independente e importantes trabalhos televisivos como Vicky Krieps, Rufus Swell, Abbey Lee e a australiana Eliza Scanlen, que mesmo com um currículo ainda pequeno que inclui trabalhos como a série "Sharp Objects" e o filme "Adoráveis Mulheres", entrega uma personagem potente que transita da infância para a adolescência, que se vê envolta a uma crise de histeria coletiva e precisa lutar contra algo desconhecido, ao mesmo tempo em que seu corpo e construção de caráter e pensamentos também evoluem. Em uma conversa com a imprensa, a atriz contou um pouco sobre o processo de gravação e como foi trabalhar com Shyamalan, que ela mesma diz ser muito fã:

"Eu estava muito empolgada, e especialmente com o que estava acontecendo no mundo. Eu era fã de seu trabalho porque eu gosto de como seus filmes são únicos e dirigidos por um conjunto." - conta a atriz de 22 anos que explica o que lhe chamou a atenção no roteiro, "É um filme sobrenatural, que eu nunca havia feito antes. Começa com esta história única sobre uma família em férias tropicais que vai para esta praia isolada com alguns outros turistas, apenas para descobrir que eles estão envelhecendo rapidamente. Então, eu sabia que seria um desafio para todos nós tentar encaixar toda a vida de uma pessoa em um dia, e eu estava animada com isso."

"Ele [Shyamalan] é ótimo! Night é muito direcionado e focado, e ele se move rapidamente. Ele chega ao set todos os dias sabendo exatamente o que precisa ser feito e, com uma atenção admirável aos detalhes, por isso seus filmes são tão únicos." elogia a jovem em relação ao processo de trabalho com M. Night Shyamalan e como ele age com a equipe dentro do set.

Scanlen interpreta Kara em uma atuação intensa | Divulgação


Sobre sua personagem, Kara, Scanlen conta que "Ela é uma criança única e muito alegre. Kara é filha de Charles e Chrystal, interpretado por Rufus Sewell e Abbey Lee, que está de férias com seus pais e sua avó, Agnes. E ela se torna amiga íntima de Trent, interpretado por Alex Wolff, e seu relacionamento sofre algumas reviravoltas chocantes e inesperadas!"

"Eu o descreveria como aterrorizante, inquietante e cheio de suspense. O envelhecimento rápido é causado por todos os tipos de dificuldades, e as pessoas desta praia são forçadas a enfrentar em grupo essas questões existenciais sobre o que significa viver uma vida significativa e se o tempo é um fator importante para isso. Eu acho que o público deveria se preparar para um passeio e tanto!" - Disse a atriz em relação ao que os personagens passam a sentir ao descobrirem que estão envelhecendo rapidamente em uma ilha da qual não conseguem fugir.

Já em relação aos processos de filmagem, que inclui bastante o lado físico dos atores, Eliza revela que "Foi tão divertido! Eu amo qualquer chance de entrar na fisicalidade do meu personagem, porque isso definitivamente me mantém na ponta dos pés. E eu gostei do desafio físico que veio ao trabalhar com os diferentes movimentos da câmera que Night escolheu para cada cena, já que às vezes tínhamos que pular para deixar a câmera se mover através de um espaço específico.", e ela complementa "Alguns dias foram mais pesados ​​do que outros, mas na maior parte nos divertimos muito. O ambiente era quente e úmido, enfrentamos algumas chuvas torrenciais; então, a experiência de filmá-lo meio que espelhou a intensidade do filme. Estou muito orgulhoso do que alcançamos."

Kara é uma personagem complexa e totalmente evolutiva | Divulgação


Sobre a realização deste trabalho em momentos tão difíceis e a sensação de vê-lo finalizado Eliza Scanlen conta que "Foi incrivelmente especial por causa dos desafios de filmar em uma situação tão extraordinária, que eu descobri ser uma oportunidade única como explora-la como atriz. E trabalhar com essa equipe foi uma alegria.", e ela ainda comenta sobre a importância de assistir ao longa em uma sala de cinema pois nos proporciona "...o escapismo e a oportunidade de mergulhar no mundo de outras pessoas. Acho que é muito estimulante ficar tão profundamente comovido pelo cinema, e se há algo que move o público, será algo realmente emocionante, chocante e cheio de suspense, pois manipula nossas emoções de uma forma que o drama normal não faria. É por isso que acredito que os thrillers às vezes podem ser tão inebriantes - que é como me sinto assistindo os filmes de Night." e finaliza "Eles [o público] devem esperar ser totalmente abalados até o âmago!".

Disto isso, quem sou eu para discorda, afinal, "Tempo", que chegou aos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 29 de julho, é justamente isso, uma experiência singular e avassaladora, capaz de despertar no expectador os mais profundos sentimentos, mantendo-o preso na poltrona do inicio ao fim. É uma obra tão grandiosa e cheia de detalhes que merece ser compartilhada e vivida em uma sala de cinema.