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Cinema | "Batman", por Paulo Costa

 


Ousado, sombrio e perturbador, uma obra-prima que beira a perfeição

Por Paulo Costa 


Em "Batman" que chega aos cinemas nacionais em 03 de março, temos uma releitura ousada do personagem título, apresentando de forma engenhosa, sombria e perturbadora a origem deste vigilante noturno, trazendo ao grande público um "Batman Detetive", aquele que desce a porrada mas não se resume a testosterona, ele também exercita e trabalha sua inteligência com cautela e rapidez, ainda mais quando se depara com um perigo que exige uma capacidade aguçada para desvendar enigmas.

A trama segue o segundo ano de Bruce Wayne como o herói de Gotham, causando medo nos corações dos criminosos, levando-o para as sombras de Gotham City. Com apenas alguns aliados de confiança - Alfred Pennyworth e o tenente James Gordon - entre a rede corrupta de funcionários e figuras importantes da cidade, o vigilante solitário se estabeleceu como a única personificação da vingança entre seus concidadãos. Mas em uma de suas investigações, Bruce acaba envolvendo James Gordon e ele mesmo em um jogo de gato e rato ao investigar uma série de maquinações sádicas, uma trilha de pistas enigmáticas, revelando que Charada estava por trás disso tudo. Porém, a investigação acaba o levando a descobrir uma onda de corrupção que envolve o nome de sua família, pondo em risco sua própria integridade e as memórias que tinha sobre seu pai, Thomas Wayne. Conforme as evidências começam a chegar mais perto de casa e a escala dos planos do criminoso se torna clara, Batman deve forjar novos relacionamentos, desmascarar o culpado e fazer justiça ao abuso de poder e à corrupção que há muito tempo assola Gotham City.

O roteiro assinado por Matt Reeves e Peter Craig aborda temas sociais e políticos relevantes e extremamente atuais, inserindo seus personagens centrais em uma ambientação focada na realidade onde todo o lúdico dá lugar a uma Gotham que vive a beira do caos constante. Neste ponto o longa dialoga muito bem com "Coringa", mesmo não tendo ligações e apresentando uma linha temporal que os separa por um largo período de tempo em que as historias transcorrem, de um lado temos um cidade que sofre pela precariedade do saneamento básico e também com um sistema de saúde falido, que cria os seus próprios "monstros", do outro temos uma cidade que nada evoluiu e a situação piora com um sistema de segurança corrupto e corrompido totalmente controlado pela máfia.

Pattinson e Zoe Kravitz exalam uma tensão sexual crescente do inicio ao fim | Divulgação

São quase 3 horas de projeção, e mesmo que embalado por um ritmo mais lento, isso não atrapalha em nada o caminhar da obra, já que a edição entrega uma trama fluida, um tanto quanto empolgante e altamente sedutora. O mistério segue em paralelo a tensão sexual que exala entre os personagens Batman e Selina Kyle, e isso se torna ainda mais explicito diante a uma química aguçada entre os astros Robert Pattinson e Zoe Kravitz, onde ambos parecem confortáveis em transparecer essa tensão e esse tesão de um para com o outro, em frames nada contidos que fogem do piegas e deixa o pudor de lado, é nitidamente visível em gestos, falas, olhares e caricias tal atração entre ambos, e pasmem, isso tudo sem expor uma cena de nudez ou de sexo. Mesmo que ainda existem poucos, mas ainda assim momentos dos personagens com pouca roupa ou em trajes mais colados e marcantes, são cenas que passam longe do vulgar e do incomodo.

Falando em Robert Pattinson, o astro que sofreu vários boicotes após o anuncio oficial de que ele viveria o novo Homem Morcego, assumiu o personagem de corpo e alma. Trafegando muito bem entre o herói e a figura humana, Pattinson assume feições e um comportamento completamente distinto entre Batman e Bruce Wayne. Por horas, quando herói, apresenta maturidade e uma sagaz audácia para combater vilões e resolver charadas, quando um mero humano, apesar de toda a fortuna, temos em tela um rapaz que ainda sofre o luto e os traumas do brutal assassinato de seus pais, com um olhar carregado de melancolia, ele deixa de lado a figura já conhecida de playboy filantropo multimilionário que passa o dia em leilões e comprando tudo o que deseja, e traz uma origem diferente ao este personagem. Muito mais imerso em sua vingança como forma de se desprender de suas cicatrizes, temos em tela uma construção audaciosa de um ícone da cultura pop que certamente dividirá opiniões, mas ainda assim sendo inegável o quanto Pattinson contribuí para transformar este, em um dos melhores personagens da DC apesentados nos cinemas.

Os demais personagens que orbitam ao seu redor também ganham o arco merecido no enredo, mas esqueça por completo o que já foi visto anteriormente, todos são construídos e, de certa forma humanizados, com muito realismo. O Pinguim, aqui interpretado por Colin Farrell, nada mais é do que um homem manco e cicatrizes assustadoras que o assemelham a figura de um pinguim, toda a pirotecnia, pinguins que explodem e guarda-chuvas que viram helicópteros dão lugar a um personagem que transita entre o brutal mafioso mas também um fanfarrão sarcástico, Collin garante alguns momentos de alivio cômico, mas sem prejudicar o tom condutor da narrativa. Paul Dano como Charada também não fica para trás e garante momentos obscuros e de gelar a espinha, sua linha de raciocínio para elaborar enigmas é absurda, e seu lado sádico para torturar e matar seus inimigos é explorado ao limite em cenas desconcertantes.

A relação de Batman com Tenente Gordon rouba a cena e ofuscam a relação com Alfred | Divulgação

Destaque para Jeffrey Wright, inicialmente como Tenente Gordon, ele apresentando o inicio daquele que viria a ser o Comissário Gordon, fugindo do personagem que conhecemos no cânone. Sua interação com Batman é mostrada de forma mais profunda e verdadeira, sendo talvez ele o seu maior aliado e também amigo, ainda que hajam algumas duvidas se ambos podem realmente confiar um no outro. Ao mesmo tempo que tanto os atores como os personagens possuem uma excelente proximidade em tela, e mesmo sendo um dos pontos que mais me agradou na obra, é justamente este mesmo ponto que chegou a incomodar um pouco. Sinto que tal entrosamento ofuscou bastante a conexão de Batman com Alfred, aqui interpretado por Andy Serkis, mais do que um mordomo, Alfred é conhecido como o mentor e o maior aliado de Bruce, e a falta de entrosamento ou até mesmo mais tempo dos dois juntos em tela, transformou relação de ambos em algo um tanto quanto coadjuvante, resultando numa subtrama completamente apaga com um Alfred absolutamente esquecível.

E não é apenas em questões de enredo ou construção de arcos e personagens que a película foge das fórmulas manjadas de filmes de super-heróis, a medida que o mistério e o medo crescem gradualmente, o longa se transforma de uma simples história de ação em um dos subgêneros do cinema policial: o Noir. E isso fica transposto em tela ao se utilizar de uma estética mais escura, com belíssimas cenas que trabalham com maestria um arrojado jogo de sombras, pouca luz ou momentos diurnos, cenas externas predominantemente noturnas e quase que sempre chuvosas. Em determinados momentos com o personagem titulo observando as janelas sujas dos apartamentos fui remetido a clássicos como "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock, o que elevou a experiência a outro patamar.

Repleto de momentos memoráveis, as cenas de ação são impecáveis em toda a sua simplicidade, nada de momentos megalomaníacos, as vezes um pouco fantasiosas, mas sempre carregadas de tensão, a violência gráfica é justificável, nada está inserido sem a existência de um contexto ou criado apenas para chocar a plateia. A trilha instrumental original composta por Michael Giacchino transcende todo este clima para cada um dos momentos, de quebra ainda rola um Nirvana com Something in The Way logo no inicio, que traduz com muita perfeição toda a áurea que o filme carrega e vai ser despejado em cima de nós.

Num todo, "Batman" prometeu muito e entregou ainda mais, Matt Reeves se desvencilhou dos vícios saturados nos filmes de ação e de super-heróis, mirou na trilogia "Cavaleiro das Trevas" de Christopher Nolan, mas com uma sensibilidade ainda mais aflorada soube aproveitar momentos memoráveis do personagem presente em outras mídias como HQs e games, e entregou uma obra-prima que beira a perfeição, complexa, nada fácil de se digerir, carregada de tristeza, mas acima de tudo de esperança por tempos melhores, e de uma forma nada convencional coloca o povo de Gotham (que poderia ser qualquer grande cidade do planeta) como os verdadeiros heróis da trama, aquele povo que luta por dignidade, mas sempre é esquecido pelas imoralidades de autoridades que mandam e desmanda.