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Play | "Rua do Medo: 1666 - Parte 3", por Jurandir Vicari



Um ousado reflexo de uma sociedade atual repetindo os erros do passado

Por Jurandir Vicari


Antes de mais nada, eu preciso dizer que devo desculpas a trilogia "Rua do Medo"! Detestei fortemente a parte introdutória e a parte intermediária achei muito satisfatória. Agora, com a estreia de "Rua do Medo: 1666 - Parte 3", e seu encerramento, já questiono a Dona Netflix: porque encerrar? Sinceramente acredito que, se a qualidade continuar nessa crescente, haveria espaço para mais filmes.

A diretora e uma das idealizadoras do projeto, Leigh Janiak, que foi fortemente criticada por seu trabalho em "Jovens Bruxas: Nova Irmandade", soube contornar um filme com mil referências jogadas ao vento e transformá-lo em uma trilogia marcante. A partir do momento que ela se desprendeu das alusões a filmes de terror de sucesso, focando em algo original mas sem deixar de prestar homenagens aos clássicos do gênero, virou um furacão de divertimento. A Netflix entregou o prometido, um filme de terror que brincava com as referências, trazendo a sua característica marcante de fazer filmes com uma pegada mais teen, mesmo sendo classificada 18+.

Esta terceira parte é a mais OUSADA! Achei brilhante a narrativa que revela, através de um belo plot twist, que a culpa não é da "bruxa", que a maldição de Shadyside não foi lançada por uma mulher, não foi culpa da "eva que comeu o fruto proibido", mas nasceu da ganância de um homem, e isso por si só já valeu o pagamento do streaming desse mês.

A ganância dos homens sempre destruindo uma sociedade | Divulgação


A trama começa logo após os momentos finais de "Rua do Medo: 1978", em que chegamos a acreditar que a maldição acabaria, já que Deena (Kiana Madeira), conseguiu unir a mão perdida de Sarah Fier ao corpo da bruxa. Para a surpresa geral, a garota recebe as lembranças da jovem Sarah e de tudo o que ocorreu em 1666, como vivia na colônia de Union e tudo que existe por trás da maldição de Shadyside e da prosperidade de Sunnydale. Através dessa "viagem no tempo", podemos refletir o nosso próprio cotidiano, se estamos progredindo como sociedade ou só repetindo erros históricos?

Em 1486, o padre Heinrich Kramer publicou o tratado sobre bruxaria Malleus Maleficarum, que ficou mundialmente conhecido como "O Martelo das Bruxas", onde ele apontava algumas características e comportamentos que se uma mulher os tinha poderia ser sacrificada, afinal as bruxas deveriam ser exterminadas. Na grande maioria eram mulheres que tinham opiniões fortes, conhecimento de medicina, cura, eram parteiras, mulheres que conheciam ervas e frutas, eram velhas ou viúvas, que a sociedade acreditava que não trariam proveito, se tornam alvo dos processos pelo crime de feitiçaria e acabavam na forca ou na fogueira. Entre 1580 a 1630, aproximadamente 50 mil mulheres foram queimadas, e cerca de 80% eram mulheres, acima de 40 anos de idade. Era fácil e prático, eliminar mulheres marginalizadas pela sociedade usando determinadas características como desculpa.

Com o advento do Iluminismo, a ciência em vez da religiosidade, isso foi diminuindo, mas não se esgotou… 1486, 1666, 1978 e 1994, ou quem sabe em 2021 ainda vemos vestígios desse comportamento, tanto que temos séries de sucesso como "O Conto da Aia", onde o fanatismo religioso aponta a mulher como a culpada de todos os males, seja por uma praga na plantação, seja pela infertilidade, ou pelo preço da gasolina.

Mulheres sempre são culpadas e julgadas como as causadoras de todos os males apenas por pensarem ou agirem diferentes do que são impostas | Divulgação


Hoje, em dia não acontecem mais julgamentos e execuções em praças publicas como antes, porém, isso não significa que as pessoas que divergem das demais possam viver livremente. Ainda vivemos em uma sociedade que julga, executa, enforca, afoga, incendeia, esquarteja, apedreja, crucifixa, milhares neste sistema de medo, ignorância e opressão, seja no buylling no ensino médico, seja ateando fogo no morador de rua, dando lampadada no gay em plena Avenida Paulista. Ainda que nos modernizamos, os novos tempos ainda traz o cyberbuylling, correntes de fake news, expomos as mulheres e meninas em grupo de WhatsApp e em redes sociais, e os erros continuam, trazendo drásticos resultados.
 
Obvio que o foco no capitulo final é o Fanatismo Religioso e os perigos envolto a ele, mas podemos salientar ainda, o preconceito que a mulher sofre seja no passado ou nos dias atuais, o preconceito de classe, onde os mais prósperos possuem maior visibilidade e voz, o racismo, onde o jovem negro é sempre visto como um elemento suspeito...

Logo, "Rua do Medo: 1666 - Parte 3" serve como um espelho para refletirmos nossas atitudes como indivíduos vivendo em sociedade e se vamos torna-la mais tolerante ou se vamos continuar de braços cruzados, permitindo um regresso há 1666, o retorno da "era das trevas". Infelizmente, diante de uma sociedade doente, vivendo na base do ódio às diferenças, eu vejo essa última opção chegando a passos largos, e não é somente aqui, em terras tupiniquins.